Como emoções reprimidas impactam o coração
- Géssica Magalhães
- 18 de out.
- 3 min de leitura

Vivemos em uma época de estímulos constantes, exigências emocionais intensas e pouco espaço para o autoconhecimento. Enquanto muitos cuidam da alimentação, do sono e da atividade física, poucos percebem que o verdadeiro vilão da saúde cardiovascular pode estar em algo invisível: as emoções não expressas.
A ciência vem demonstrando, com crescente robustez, que emoções reprimidas estão fortemente associadas ao desenvolvimento e agravamento de doenças cardiovasculares. Esse elo entre saúde mental e coração é mais profundo do que se imaginava há algumas décadas, e negligenciá-lo pode custar caro.
O coração não esquece: A fisiologia das emoções
As emoções não são meros sentimentos abstratos. Elas provocam reações químicas e elétricas reais, mediadas por estruturas cerebrais como a amígdala, hipotálamo e córtex pré-frontal.
Diante de uma emoção mal processada, como raiva, tristeza, frustração ou medo reprimido, o organismo entra em estado de alerta crônico. Isso aciona o sistema nervoso simpático, elevando:
A liberação de cortisol e adrenalina;
A frequência cardíaca e a pressão arterial;
A resistência à insulina;
Os níveis de citocinas inflamatórias, como a interleucina-6.
A longo prazo, esse quadro contribui para inflamação vascular crônica, aterosclerose, hipertensão arterial e até arritmias cardíacas. Segundo a AHA, o estresse emocional crônico aumenta o risco de eventos cardiovasculares em até 40%.
O que são emoções reprimidas?
Reprimir não é o mesmo que controlar. Reprimir significa não reconhecer, não expressar ou evitar lidar com emoções desconfortáveis. Pessoas com esse padrão emocional tendem a:
Minimizar o que sentem (“não é nada”);
Evitar conversas difíceis;
Ignorar seus limites emocionais;
Somatizar (manifestar no corpo o que não é expresso verbalmente).
Segundo a APA, indivíduos que reprimem cronicamente suas emoções têm risco aumentado de desenvolver:
Doença arterial coronariana;
Insuficiência cardíaca congestiva;
Fibrilação atrial;
Hipertensão resistente.
Síndrome do Coração Partido: o caso extremo da emoção reprimida
A cardiomiopatia de Takotsubo, também conhecida como “síndrome do coração partido”, é um exemplo extremo da conexão entre emoção e coração. Ela ocorre geralmente após um estresse emocional intenso, como uma perda afetiva repentina, e simula um infarto agudo do miocárdio, com dor no peito, alterações no ECG e elevação de enzimas cardíacas.
Ainda que reversível, essa síndrome pode levar a choque cardiogênico ou mesmo à morte. A ESC reconhece a cardiomiopatia de Takotsubo como uma condição relacionada diretamente ao impacto das emoções sobre o miocárdio.
Depressão, ansiedade e o coração
Diversos estudos já demonstraram que quadros de depressão e transtornos ansiosos estão fortemente ligados ao risco cardiovascular elevado. A AHA e a APA já reconhecem essas condições como fatores de risco independentes para infarto e AVC.
A depressão não tratada, por exemplo:
Reduz a adesão a tratamentos;
Aumenta marcadores inflamatórios (PCR, fibrinogênio);
Desregula o eixo hipotálamo-hipófise-adrenal.
Já a ansiedade persistente estimula o sistema simpático, mantendo o organismo em constante estado de tensão, o que prejudica o relaxamento vascular e sobrecarrega o coração.
Masculinidade tóxica e repressão emocional
Estudos apontam que homens jovens são mais propensos a infartar precocemente. Parte disso se explica pela repressão emocional culturalmente imposta: “homem não chora”, “engole o choro”, “seja forte”. Essa negação da própria saúde mental leva a um quadro de estresse emocional internalizado, que agrava os fatores de risco clássicos.
Homens com traços de alexitimia (dificuldade em identificar e expressar emoções) têm maior risco de síndrome metabólica e eventos cardiovasculares.
Como prevenir os efeitos das emoções reprimidas no coração?
A boa notícia é que a saúde emocional pode ser cultivada, e a saúde cardiovascular agradece.
1. Reconheça suas emoções
Nomear o que se sente é o primeiro passo para processar;
Evite minimizar suas dores internas;
Permita-se sentir, sem culpa.
2. Aprenda a expressar
Converse com alguém de confiança;
Escreva sobre o que sente (diários emocionais funcionam muito bem);
Procure espaços seguros para compartilhar sua experiência emocional.
3. Considere psicoterapia
A psicoterapia, especialmente abordagens como Terapia Cognitivo-Comportamental e Terapia do Esquema, ajudam a identificar padrões emocionais disfuncionais;
O acompanhamento profissional é uma ferramenta comprovada na redução do risco cardiovascular em pacientes com depressão e ansiedade.
4. Adote práticas de autorregulação
Técnicas como meditação mindfulness, respiração consciente, atividade física regular e espiritualidade positiva reduzem os efeitos fisiológicos das emoções negativas;
A AHA já reconhece os benefícios da meditação na redução da pressão arterial e controle do estresse.
Saúde mental é saúde do coração
Durante muito tempo, tratamos coração e mente como áreas separadas. Hoje, a ciência comprova que eles são indissociáveis. Nenhum tratamento cardiológico estará completo se a saúde mental for negligenciada.
O coração adoece não só pelo que comemos ou deixamos de fazer, mas também por aquilo que sentimos e não expressamos.
Em resumo:
Emoções reprimidas aumentam o risco de doenças cardiovasculares por vias inflamatórias e neuroendócrinas;
Depressão, ansiedade e estresse não tratados têm impacto direto na saúde do coração;
A AHA, a ESC e a APA já reconhecem o papel da saúde mental na prevenção cardiovascular;
Aprender a reconhecer, sentir e expressar emoções é estratégia de cuidado integral;
Procurar ajuda psicológica, cultivar vínculos afetivos e criar espaço para o autoconhecimento protege o coração, literalmente.




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