Sono, humor e saúde do coração
- Géssica Magalhães
- 18 de out.
- 4 min de leitura

Sono, Humor e Coração: O Triângulo Vital entre Corpo e Mente
Em tempos de rotinas aceleradas, noites mal dormidas e oscilações emocionais intensas, torna-se essencial compreender o elo entre sono, humor e saúde cardiovascular. O corpo humano funciona em rede, e poucas conexões são tão fundamentais quanto a que une o descanso reparador, o equilíbrio emocional e o bom funcionamento do sistema cardiovascular.
Pesquisas recentes apontam que noites mal dormidas e transtornos de humor não apenas reduzem a qualidade de vida, mas também se associam a um risco aumentado de eventos cardíacos graves, como hipertensão, infarto do miocárdio e acidente vascular cerebral (AVC).
O sono: um pilar para a autorregulação do corpo
Dormir bem não é luxo, é necessidade fisiológica. O sono regula ciclos hormonais, promove a regeneração celular, equilibra o metabolismo e fortalece o sistema imune. No campo da saúde mental, é essencial para a consolidação da memória, processamento emocional e estabilidade do humor.
Quando o sono é interrompido, insuficiente ou de má qualidade, todo o organismo sofre. Estudos demonstram que indivíduos que dormem menos de seis horas por noite apresentam:
Maior ativação do sistema nervoso simpático;
Aumento da liberação de cortisol e adrenalina;
Piora da sensibilidade à insulina;
Inflamação sistêmica leve e crônica;
Aumento da pressão arterial e frequência cardíaca em repouso.
Esses efeitos, quando mantidos ao longo do tempo, comprometem diretamente a saúde cardiovascular.
Sono e risco cardiovascular: o que dizem as evidências?
De acordo com a American Heart Association (AHA), o sono insuficiente é considerado um dos "8 pilares essenciais da saúde cardiovascular" (Life’s Essential 8). A organização orienta que adultos tenham entre 7 e 9 horas de sono de qualidade por noite como parte da prevenção de doenças cardíacas.
Estudos observacionais e ensaios clínicos já comprovaram que a privação de sono está associada a:
Maior risco de hipertensão arterial;
Aumento da incidência de arritmias cardíacas;
Elevação do risco de infarto agudo do miocárdio;
Pior controle de fatores de risco, como obesidade e diabetes tipo 2.
Além disso, a European Society of Cardiology (ESC) recomenda a triagem de distúrbios do sono em pacientes com doenças cardiovasculares, sobretudo apneia obstrutiva do sono, insônia crônica e síndrome das pernas inquietas.
O humor como mediador da saúde do coração
O humor influencia, e é influenciado, por uma série de fatores biológicos, psicológicos e sociais. Quando em desequilíbrio, ele impacta negativamente os sistemas regulatórios do corpo, inclusive o cardiovascular.
Transtornos como a depressão e a ansiedade generalizada têm sido associados a:
Disfunção autonômica (com predomínio do sistema simpático);
Redução da variabilidade da frequência cardíaca (VFC), marcador de mau prognóstico;
Aumento de marcadores inflamatórios e trombogênicos;
Adoção de comportamentos nocivos à saúde, como sedentarismo, alimentação desregulada, tabagismo e abuso de substâncias.
A APA (American Psychological Association) destaca que indivíduos com transtornos de humor têm risco até duas vezes maior de desenvolver doenças cardiovasculares ao longo da vida.
A bidirecionalidade entre sono e humor
A privação de sono aumenta a irritabilidade, a impulsividade, a instabilidade emocional e a reatividade ao estresse. Em contrapartida, a presença de transtornos do humor reduz a qualidade e a eficiência do sono.
Esse ciclo pode ser descrito da seguinte forma:
Sono ruim →
Piora do humor e da regulação emocional →
Aumento do estresse e ativação simpática →
Dificuldade para iniciar e manter o sono →
Agravamento dos sintomas depressivos ou ansiosos →
Risco cardiovascular crescente.
Esse padrão deve ser interrompido com estratégias integradas, que atuem tanto no corpo quanto na mente.
Distúrbios específicos do sono e seu impacto no coração
Algumas condições merecem destaque especial:
Apneia obstrutiva do sono (AOS)
Associada a picos pressóricos durante a noite;
Eleva o risco de hipertensão resistente, fibrilação atrial e insuficiência cardíaca;
Afeta diretamente o humor e aumenta risco de depressão.
Insônia crônica
Compromete a recuperação física e emocional;
Eleva níveis de cortisol e adrenalina;
Reduz tolerância ao estresse e aumenta risco de doenças cardiovasculares.
Sonolência diurna excessiva
Indicador de má qualidade do sono;
Associada a menor desempenho cognitivo, maior irritabilidade e risco de acidentes;
Pode ser reflexo de distúrbios não diagnosticados.
A neurobiologia por trás da conexão coração-mente-sono
No nível fisiológico, a comunicação entre sono, humor e sistema cardiovascular se dá por meio de:
Eixo hipotálamo-hipófise-adrenal (regulador do estresse);
Sistema nervoso autônomo (simpático e parassimpático);
Substâncias inflamatórias (citocinas, PCR);
Neurotransmissores como serotonina, dopamina e noradrenalina;
Melatonina, responsável pela regulação circadiana e com propriedades antioxidantes.
Alterações em qualquer um desses sistemas repercutem no equilíbrio dos demais, gerando descompensações múltiplas quando não tratadas.
Como preservar o sono, o humor e o coração
A boa notícia é que há estratégias eficazes para proteger simultaneamente esses três pilares:
1. Psicoterapia
A Terapia Cognitivo-Comportamental para insônia (TCC-I) é eficaz para melhorar o sono e reduzir sintomas ansiosos e depressivos;
Intervenções breves focadas no estresse emocional e ruminações noturnas também são eficazes.
2. Atividade física regular
Melhora a qualidade do sono;
Reduz sintomas depressivos;
Modula a resposta autonômica, protegendo o sistema cardiovascular.
3. Alimentação adequada
Evitar cafeína, álcool e alimentos ultraprocessados à noite;
Priorizar refeições leves e ricas em triptofano (precursor da serotonina).
4. Higiene do sono
Criar um ritual para desacelerar antes de dormir;
Reduzir exposição a telas e estímulos artificiais;
Manter horários regulares de dormir e acordar.
5. Regulação emocional
Práticas de respiração, meditação, gratidão e espiritualidade ajudam a reduzir o estresse basal e melhoram a VFC.
Conclusão:
Sono, humor e saúde cardiovascular estão intrinsecamente conectados;
Dormir mal e viver em sofrimento emocional contínuo aumenta de forma expressiva o risco de hipertensão, infarto, arritmias e AVC;
A saúde mental deve ser vista como aliada da prevenção cardíaca;
Estratégias integradas, preventivas e personalizadas são o melhor caminho para preservar corpo, mente e coração.




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