Transtorno do estresse pós traumático e doenças do coração
- Géssica Magalhães
- 18 de out.
- 4 min de leitura

TEPT e Saúde do Coração: Quando o Trauma Deixa Marcas no Sistema Cardiovascular
O Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT) é frequentemente associado a feridas emocionais profundas, pesadelos e hipervigilância. No entanto, suas repercussões vão muito além da esfera psicológica. O trauma psíquico, quando crônico e não tratado, compromete de forma significativa a saúde cardiovascular, sendo considerado hoje um importante fator de risco emergente.
Entender a interconexão entre TEPT e doenças cardiovasculares é fundamental para promover uma abordagem integrativa, que respeite a complexidade do ser humano e trate não apenas o coração que pulsa, mas também a mente que sente.
O que é o TEPT?
O TEPT é um transtorno mental que pode se desenvolver após a vivência ou testemunho de um evento traumático, como:
Violência urbana;
Abusos físicos, emocionais ou sexuais;
Acidentes graves;
Desastres naturais;
Perdas súbitas ou situações de guerra.
A condição se caracteriza por quatro grupos de sintomas:
Revivescência do trauma (flashbacks, pesadelos);
Evitação de estímulos associados ao trauma;
Alterações negativas na cognição e humor;
Hiperatividade autonômica (sobressaltos, irritabilidade, insônia).
A APA estima que até 8% da população geral desenvolve TEPT em algum momento da vida, sendo mais prevalente entre mulheres.
Como o trauma psicológico afeta o sistema cardiovascular
O TEPT induz uma série de alterações fisiológicas duradouras, com impacto direto na saúde cardiovascular:
Ativação crônica do sistema nervoso simpático, resultando em taquicardia, vasoconstrição e hipertensão;
Diminuição do tônus vagal e da variabilidade da frequência cardíaca (VFC), refletindo baixa capacidade de adaptação ao estresse;
Aumento dos níveis de cortisol e catecolaminas, hormônios relacionados ao estresse agudo e crônico;
Inflamação sistêmica de baixo grau, com elevação de marcadores como proteína C reativa (PCR-us), interleucinas e TNF-alfa;
Alterações endoteliais, que favorecem o desenvolvimento da aterosclerose.
Segundo a American Heart Association (AHA), indivíduos com TEPT têm risco duas vezes maior de desenvolver doença arterial coronariana em comparação com a população geral.
TEPT e infarto: o elo silencioso
Estudos longitudinais demonstram que o TEPT aumenta significativamente o risco de infarto do miocárdio. Essa associação se deve à somatória de disfunções autonômicas, inflamatórias e comportamentais.
Além disso, pacientes com TEPT frequentemente apresentam:
Hipertensão arterial resistente ao tratamento;
Maior incidência de síndrome metabólica;
Níveis mais altos de colesterol LDL e triglicerídeos;
Comportamentos de risco, como tabagismo, sedentarismo e má alimentação.
Esses fatores, somados à disfunção neuroendócrina, criam um ambiente propício à instabilidade das placas coronárias, aumentando a probabilidade de eventos agudos.
Risco cardiovascular em veteranos e vítimas de trauma
Pesquisas conduzidas com veteranos de guerra, sobreviventes de catástrofes e vítimas de violência urbana confirmam que o TEPT é independente e diretamente associado ao aumento de mortalidade por causas cardiovasculares.
A ESC (European Society of Cardiology) passou a incluir fatores psicossociais, como histórico de trauma psicológico, na estratificação de risco de pacientes com doença cardíaca conhecida.
Diferenças entre homens e mulheres: um alerta
Mulheres com TEPT apresentam maior risco de infarto, mesmo na ausência de fatores de risco clássicos como diabetes ou dislipidemia. Isso pode estar relacionado a uma maior reatividade autonômica ao estresse e menor suporte social percebido.
A AHA já recomenda a inclusão de avaliações de saúde mental, especialmente TEPT, nas rotinas de cuidado cardiovascular de mulheres.
TEPT e doenças do ritmo cardíaco
A hiperativação do sistema simpático e a disfunção autonômica no TEPT aumentam o risco de arritmias, especialmente fibrilação atrial. Há também evidências de maior incidência de:
Extrassístoles;
Taquicardias supraventriculares;
Palpitações associadas à hipervigilância.
A redução da variabilidade da frequência cardíaca (VFC), comum em pacientes com TEPT, é considerada marcador de mau prognóstico cardiovascular.
Comportamentos de risco como válvula de escape
Indivíduos com TEPT tendem a apresentar estratégias disfuncionais de enfrentamento do sofrimento emocional. Entre os comportamentos mais comuns:
Consumo excessivo de álcool;
Uso de benzodiazepínicos e outras substâncias psicoativas;
Automedicação e não adesão a tratamentos prescritos;
Episódios de compulsão alimentar ou jejum prolongado.
Tais comportamentos aumentam ainda mais o risco de eventos cardiovasculares, criando um ciclo vicioso entre trauma, desregulação emocional e adoecimento físico.
Intervenção integrada: tratar o coração e a mente
A abordagem do TEPT com foco em prevenção cardiovascular deve ser integrada, longitudinal e interdisciplinar. As principais estratégias baseadas em evidências incluem:
1. Psicoterapia especializada
Terapias como TCC-Trauma Focada, EMDR e Terapia de Exposição Prolongada mostram excelentes resultados na redução dos sintomas de TEPT e melhora de marcadores fisiológicos;
O tratamento psicoterapêutico impacta positivamente o controle pressórico, o sono e a VFC.
2. Tratamento farmacológico
Inibidores seletivos da recaptação de serotonina (ISRS) são a primeira linha para TEPT;
Betabloqueadores podem ser considerados em casos com hiperatividade autonômica intensa.
3. Exercício físico regular
Caminhadas, yoga, tai chi e natação reduzem os sintomas de TEPT e melhoram parâmetros cardiovasculares;
Exercícios aeróbicos modulam o sistema nervoso autônomo e reduzem marcadores inflamatórios.
4. Regulação autonômica
Técnicas como respiração diafragmática, biofeedback e mindfulness aumentam a VFC e reduzem a resposta de hipervigilância.
Em resumo:
O TEPT é uma condição de saúde mental com impacto profundo na saúde cardiovascular;
Está associado a maior risco de hipertensão, infarto, arritmias e mortalidade precoce;
Alterações autonômicas, hormonais e inflamatórias sustentam essa relação;
O tratamento eficaz do TEPT contribui para a redução do risco cardiovascular;
É essencial que profissionais de saúde considerem o histórico de trauma em pacientes com queixas cardíacas.




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